Faltam prioridades para a educação no Brasil

O repensar da educação no Brasil

Há poucos dias, neste jornal, apontei algumas preocupações acerca do famigerado tweet de Bolsonaro a respeito dos cortes “necessários” nos “gastos” com as Humanidades e sobre sua priorização do ensino de Medicina, Veterinária e Engenharia. Minha avaliação era: ainda que o texto do presidente fosse suficientemente genérico e superficial, aos moldes de notícias em época de exceção, ele podia refletir três vieses de ação em nível federal nas universidades: um corte nos investimentos no Fies e no ProUni; um “facão” nos orçamentos das Universidades Federais e Institutos Federais de Tecnologia e, por último, uma interferência na aplicação de recursos da Capes e do CNPq.

A intenção de discriminar áreas do conhecimento em detrimento de outras e a possível valorização de alguns campos do conhecimento ainda não foram implementadas, entretanto, a depender das declarações do ministro Weintraub, inclusive durante sua sabatina no dia 15 de maio na Câmara dos Deputados, o início dessas ações segregativas é apenas uma questão de tempo.

Por outro lado, ainda que os recursos do ProUni não venham do orçamento – é gerado por renúncia fiscal de tributos (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) – e, portanto, estejam por ora salvaguardados, o Fies está em perigo: é um financiamento garantido com recursos do MEC, o que o deixa vulnerável aos arroubos de humor do gestor da pasta da economia, para quem o “estado mínimo” é o leitmotiv de sua administração até aqui imprudente e, principalmente, pouco eficaz.

A reforma da Previdência é a panaceia de todos os males e o funcionalismo público, o vilão responsável pelas contas públicas alquebradas e não o excesso de renúncia fiscal que chegou aos 317 bilhões de reais em 2017 ou mesmo uma falta de política pública para geração de trabalho.

Pelo menos até aqui uma medida atingiu de forma importante e significativa as Universidades Federais, “assoladas por balbúrdias” e “descompromissadas com a pesquisa de qualidade”: o “contingenciamento” de recursos na ordem de 7 bilhões de reais no âmbito da educação (MEC) e também no cerne da ciência e da tecnologia (MCTIC) cuja retração orçamentária gira em torno de 2 bilhões de reais. É claro que nas federais essa ação atrapalhada do governo federal provoca danos imensos, já que estão com suas despesas discricionárias afetadas (água, luz, telefone, limpeza, terceirizados, etc.).

A USP possuía nada menos que 268 programas de pós-graduação e mais de 30 mil alunos em 2018. A Capes participa com o oferecimento de 7.768 bolsas e o sistema é complementado com mais 2.646 bolsas da Fapesp e 2.584 do CNPq.

“Coisa pouca” para universidades de cujos aparelhos dependem suas atividades, as IFES também têm sua pós-graduação afetada, pois houve o confisco de bolsas da Capes. E ao soarem as trombetas nesse tom, há que se esperar novos cortes, mas aí advindos do CNPq, afetando a graduação – se pensarmos o PBIC, ou a pós-graduação nas bolsas de mestrado e doutorado e mesmo a pesquisa de ponta com a limitação ou extinção das bolsas aos pós-doutores ou mesmo das bolsas de produtividade em pesquisa, concedidas a pesquisadores brasileiros de relevância.

Como naturalmente se infere, a única medida capaz de atingir as universidades estaduais de São Paulo, logo a Universidade de São Paulo – e ironicamente a algumas particulares – é justamente essa última mencionada pouco acima, já que essas agências, como afirmei no dia 29 de abril, “irrigam a nossa pós-graduação”. Mais do que isso, de acordo com o professor Vahan Agopyan em entrevista à Folha de S. Paulo, dia 18 de maio, sábado passado, a Capes é responsável por 60% das bolsas de pós-graduação na USP. Assim, quaisquer medidas a serem tomadas nesse sentido afetam o cotidiano da nossa universidade, cuja pós-graduação possui dimensões descomunais.

Quando falamos em pós-graduação falamos seguramente na mais significativa do País, já que a USP é responsável pela formação de grande parte dos pesquisadores brasileiros, haja vista o critério de nucleação de nossos cursos que, principalmente, depois do início da década de 1970, se firmaram como referência nacional, ainda que Bolsonaro acredite que apenas o ITA, o IME e o Mackenzie façam pesquisa no Brasil e Weintraub afirme que o Brasil tenha doutores demais.

A USP possuía nada menos que 268 programas de pós-graduação e mais de 30 mil alunos em 2018. A Capes participa com o oferecimento de 7.768 bolsas e o sistema é complementado com mais 2.646 bolsas da Fapesp e 2.584 do CNPq. Como foi divulgado, programas notas 6 e 7 não foram afetados pelos cortes da Capes, de modo que aqueles considerados por ela como sendo de excelência internacional não perderam bolsas, mas ainda assim 329 pesquisadores foram prejudicados e muitos até mesmo ceifados da pós-graduação, uma vez que a bolsa para estes é meio de sobrevivência e estavam matriculados em programas notas 3, 4 e 5.

Vale lembrar que essa última nota é programa de excelência nacional e os programas com nota 4 e 5 cumprem todas as exigências para seu pleno funcionamento e apenas os programas com nota 3 possuem alguma restrição: não estão autorizados a oferecer vagas no doutorado. Nossos pesquisadores que tiveram irresponsavelmente suas bolsas cortadas já tinham cumprido os trâmites de matrícula e de seleção para as bolsas e aguardavam apenas a abertura do sistema para serem cadastrados, logo essas bolsas não estavam ociosas em sua maioria. Afinal, apenas podemos afirmar que bolsas estão ociosas quando por dois períodos de matrícula no sistema permaneçam sem comprometimento.

Pelo que parece, o governo Bolsonaro agiu fazendo um corte linear, isto é, não estabeleceu prioridades e pelo conjunto de indicações do ministro da Educação e do próprio presidente. Se houvesse critério de prioridade, educação, pesquisa e ciência e tecnologia não ocupariam posição de destaque, isto é, estariam de qualquer forma na mira do contingenciamento. Ou seja, nesse governo ciência e educação são inimigos, de sorte que seu descompromisso com a educação e com a ciência associado à lei de responsabilidade fiscal são elementos que corroboram as palavras do reitor da USP em entrevista já citada aqui, qual seja, de que cortes orçamentários sempre são seletivos e políticos. Assim, já temos muito claro que nós, das universidades públicas, não somos confiáveis para este novo projeto de Brasil, para este novo Brasil, que há de naufragar a permanecer capitaneado pela completa incompetência.

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