Cabe a diversidade do Nordeste em uma palavra com oito letras?

Qualquer conceito é uma síntese simplificadora de mundo”. Na primeira frase, o professor Durval Muniz Albuquerque Júnior apresenta uma reflexão. O que quer dizer Nordeste? Ou melhor: o que está dentro desse conceito e o que está sendo excluído? Na próxima segunda-feira, às 14 horas, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) faz a conferência Identidade, Tolerância e Construção da Noção de Nordeste na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, na capital paulista.

O professor vai se reunir com grupos de pesquisas para abordar a intolerância e xenofobia, principalmente os estereótipos sobre os nordestinos que inviabilizam a diversidade. “Um exemplo é o migrante, relacionado à imagem da pobreza. Mas no século 20, cérebros, artistas e intelectuais saíram da região para vir ao eixo Rio-São Paulo. Mas esses não são tratados como migrantes. Dificilmente Caetano [Veloso] e [Gilberto] Gil vão ser abordados como migrantes”, afirma.

Durval Muniz é autor do livro A invenção do Nordeste e outras artes , fruto de sua tese de doutorado. Com um recorte regional, pesquisou a criação do termo. E por quem e por que foi criado. “Na década de 1910, apareceu o conceito no documento de criação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas e foi trabalhado por políticos e intelectuais”, conta o professor. O órgão foi organizado para responder às necessidades na região após severas secas nos anos 1915 e de 1919. Antes da palavra aparecer, a identidade da região era Norte.

Um desses integrantes do grupo de intelectuais era Gilberto Freyre, que lançaria o Manifesto Regionalista em 1926. Foi um conjunto de atividades que inflaram a definição com imagens e significados. Mas por que nasce o Nordeste? “Emerge das elites agrárias que perdem o controle político e econômico da nação. A partir do século 19, o centro econômico do País se deslocou. Esse conceito guarda imagens recorrentes. Faz com que a região se diferencie do restante do Brasil pela seca, sertão, caatinga.”

Nordeste passou a ser vinculado também com a própria identidade nacional, pela construção de que ali ninguém sofreu o impacto de imigrantes. Mas, indo mais além, Muniz aponta o problema de uma criação folclórica na noção. “O coronelismo, o cangaço, são temáticas que são atualizadas e recolocadas. O centro urbano, por exemplo, não é posto. São outras temáticas dominantes.” Segundo ele, a imagem de um Nordeste rural incomoda uma classe média, mas ainda circula.

Nesse ponto, as produções culturais acabam reforçando o estereótipo. “Bacurau, por exemplo, não me parece resistência, uma crítica do imaginário. Há uma reposição do imaginário do cangaço extremamente atrasada, com uma leitura da esquerda do cangaço como resistência política. Eles queriam enriquecer e ter o poder do coronel. Os líderes eram de um estrato social diferente. O banho de sangue, a violência gratuita — como vilipendiar cadáveres ou enterrar um homem vivo — traz de volta esse imaginário.”

Em contrapartida, a noção criada e estabelecida que não abraça a diversidade nordestina, o Nordeste apresenta o seu turismo como um outro lado. “Temos que reformular o imaginário sobre o Nordeste a partir de outros aspectos. Reformular o conceito e reformular essas imagens”, diz Durval Muniz.

Sua proposta pede uma reflexão sobre o que ainda tem uma continuidade e o que precisa ser mudado. “Mas, ainda assim, não chega ao real. Nordeste é diverso. A forma de falar em Petrolina é diferente da forma em Recife, por exemplo. Mas nas novelas da Globo vemos a mesma maneira de falar.”

Mesmo afirmando que na reformulação toda a riqueza do Nordeste não será abarcada, vale o questionamento: o que relacionamos com a região? “O sertão, por exemplo, não é atrasado. Ele está em contato com as cidades. É informado, leva as aquisições tecnológicas até ele. O Nordeste é diverso. Diverso em todos os aspectos.”

Serviço A conferência Identidade, Tolerância e Construção da Noção de Nordeste será no dia 11 de novembro, segunda-feira, às 14 horas, no Auditório Vermelho da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, localizado na Av. Arlindo Béttio, 1.000, bairro Ermelino Matarazzo, São Paulo.

A discussão faz parte do projeto Migrações do Nordeste para o Sudeste e História Oral: Abordagem Histórico-Crítica, realizado pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em História Oral e Memória, que comemora dez anos de sua criação.

Com coordenação da professora Valéria Magalhães, o grupo vai iniciar com a palestra do professor Durval Muniz o Ciclo de Debate de Nordeste’s’. O objetivo é trazer especialistas para participar de eventos na EACH. Os próximos serão os professores Luiz Felipe de Alencastro e Paulo Fontes.

O evento é promovido pelo Grupo de Pesquisa Culturas Visuais e Experimentações Geográficas, Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política e Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas. O financiamento é do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais.

Também fazem parte da organização a professora e coordenadora do Grupo de Pesquisa Culturas Visuais e Experimentações Geográficas, Valéria Cazetta, e da pós-doutoranda e pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Oral e Memória Daisy Perelmutter.

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