Vacina deve funcionar porque o coronavírus muda pouco, diz brasileira que publicou estudo sobre genomas na ‘Science’

Estudo já divulgado sequenciou 427 genomas do novo coronavírus (Sars-CoV-2). Pesquisadores descobriram pouco mais de 100 linhagens, sendo que 3 principais circulam no Brasil

A cientista Ester Sabino, da Faculdade de Medicina da USP, tem mapeado o quanto o novo coronavírus apresentou mudanças desde que chegou ao Brasil. Ela é uma das líderes do estudo que sequenciou 427 genomas do novo coronavírus (Sars-CoV-2) e que foi publicado nesta quinta-feira (23) na revista “Science”, uma das mais importantes do mundo. Os genomas foram identificados em 21 estados do Brasil.

O estudo já foi divulgado pelo G1 no mês passado. Ele aponta que, entre as mais de 100 linhagens do vírus identificadas no Brasil, três se tornaram dominantes. Para ela, a publicação do estudo em uma revista de prestígio é uma vitória da ciência brasileira. “É um trabalho em equipe. Uma conquista”, disse Ester, que é pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IMT-FM-USP).

A médica explicou que o sequenciamento do vírus é importante porque assim foi possível descobrir, por exemplo, que ele sofre poucas mutações, o que facilita a produção de uma vacina.

“A capacidade de sequenciar é importante e ajuda vacinas. No caso da Covid, aparentemente, a vacina vai responder porque o vírus muta muito pouco. Mas a gente sabe isso porque sequenciou um monte de sequências” – Ester Sabino

Ela comparou o Sars-CoV-2 a outros vírus, como o HIV e os da Influenza, nos quais a variabilidade é chave para a vacina. “No HIV, uma cepa é diferente da outra em 30%. No caso da Covid, a amostra brasileira tinha 3 mutações diferentes em relação à original. É uma a cada dez mil [o equivalente a 0,01%]”, analisou Sabino.

Renato Santana de Aguiar, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outro dos líderes do estudo, explicou ainda que estudar o genoma do vírus permite entender a diversidade dele no país.

“Será importante escolher quais sequências provocam uma resposta imune mais forte e quais linhagens representam melhor a diversidade de vírus circulantes, o que acabará por ajudar a monitorar as candidatas a vacinas existentes e acelerar o desenvolvimento de vacinas subsequentes”, detalhou.

Quem são as brasileiras que sequenciaram o genoma do novo coronavírus

Sabino também já havia feito parte de um primeiro sequenciamento do código genético do vírus, em fevereiro, junto com outros pesquisadores brasileiros.

Desta vez, a análise foi feita em uma parceria de 15 instituições de pesquisa do Brasil com a Imperial College London e a Universidade de Oxford, no Reino Unido – que também busca uma vacina para a Covid-19, a doença causada pelo vírus. O sequenciamento é o maior da América Latina e um dos maiores do mundo, segundo os cientistas.

O trabalho foi desenvolvido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), MRC, Wellcome Trust, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Capes e CNPq.

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Importação

A análise dos cientistas revelou que houve mais de 100 introduções internacionais do vírus para o Brasil – a maioria delas vinda da Europa, antes das restrições aos voos de fora. “Foram várias introduções diferentes, por pessoas diferentes, carregando um vírus diferente do outro”, explicou Sabino.

A maior parte dessas “entradas” ocorreram em estados bem conectados, como São Paulo (36% de todas as importações), Minas Gerais (24%), Ceará (10%) e Rio de Janeiro (8%).

A cientista explicou, ainda, que o número de “versões” que chegou no Brasil pode ter sido ainda maior, mas, para confirmar isso, seria necessário sequenciar mais genomas para encontrar possíveis variações.

Um estudo anterior, da Fiocruz, concluiu que ao menos 6 linhagens do Sars-CoV-2 circularam no Brasil no início da pandemia. Mas ambas as pesquisas constataram que apenas 3 destas “versões” do virus tiveram transmissão comunitária em solo brasileiro.

Redução da transmissão

Os cientistas também descobriram que as medidas adotadas para tentar conter a disseminação do vírus – como o fechamento de escolas e lojas em março – ajudaram a reduzir a taxa de reprodução da doença (o chamado “R”) de 3 para 1 a 1,6 nos estados de São Paulo e no Rio de Janeiro. Isso significa dizer que cada pessoa contaminada passou a infectar entre uma e duas outras, em vez de outras três.

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Mas, desde que as restrições foram retiradas, os números em ambos os estados permaneceram acima de 1, o que significa que a doença está se espalhando, dizem os pesquisadores.

Os cientistas estimaram que, durante a primeira fase da epidemia, o vírus se espalhou, principalmente, de forma local, dentro das fronteiras dentro de cada estado. Já em uma fase seguinte houve mais transmissões por movimentos de longa distância e pela disseminação da epidemia fora do Sudeste.

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Os pesquisadores frisaram que é preciso impedir a transmissão futura do vírus, expandindo a testagem, o rastreamento de contatos, a quarentena de novos casos e a coordenação de medidas de distanciamento social em todo o país.

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